quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O Beijo de Pedro














A estrada foi longa e já era meio dia do 21 de outubro.
Itamar, nosso companheiro, motorista, estacionou a Kombi na sombra de um Ipê, pleno das primeiras folhas, após passagem das primeiras chuvas no cerrado goiano.

Entramos no pequeno hospital de Ceres, para acolhermos a graça da visita tão esperada.

Ali, sentado numa cadeira, tomando soro, frágil no corpo, luminoso na alma, você, Irmão Pedro, nos acolhe com o brilho de sempre, com certeza mais transfigurado ainda, pelos desafios da idade e das “irmãs doenças” que vão chegando na estação que a vida te apresenta. Um abraço muito especial a cada um de nós – Eliane, cantora; Heriberto, músico; Itamar e Eu, a quem me chamas carinhosamente de “Moleque da Caminhada”.

Emocionado te beijei na fronte. Beijo comunitário, em nome de tanta gente que me encarregou desta visita. Mesmo pronto para viagem a Goiânia, onde faria os últimos exames antes de uma cirurgia, você, nosso Pedro, não parou de falar, com palavras e os gestos tão característicos – querendo saber de nossas ações de arte, lembrou que espera ouvir a música que compus sobre o teu poema a São José, segurou minhas mãos e falou baixinho – “ dias 16 e 17 de julho de 2011, no Santuário dos Mártires, Ribeirão Cascalheira...”. Brinquei sério e crente: “Você tem obrigação de estar vivo até lá”! Tua resposta serena e sorridente: “De qualquer maneira é Páscoa!”, tua expressão soou como um misto de código e profecia.

Ao Heriberto, de origem Tabajara, falou: “ um índio!” E contando os dedos exclamou: “ Lingua! Memória! Terra...” Revelando a tua paixão crônica pelos povos a quem amaste incondicionalmente. Para Eliane, mais gestos de carinho. Menos de quinze minutos de relógio, ampliados na divina dimensão cósmica, para a vastidão eterna do tempo-amor ao qual pertencemos todos e todas as criaturas.

Saímos rápido, para a 4ª Romaria dos Mártires, em Carmo do Rio Verde, em memória dos 25 anos do assassinato de Nativo da Natividade. Mesmo que o nosso coração pedisse para continuar um pouco mais contigo ali em vigília de amizade e cumplicidade, a missão de arte-vida nos avisava para seguir.

No Pátio do Hospital, recolhi várias sementes do Ipê Amarelo, as quais envolvi num lenço de papel. Sementes ungidas, como nossa fronte, com o teu beijo e nossas lágrimas da mais pura e agradecida emoção, ao Divino e a você: Pedro nosso, de tantos povos, do universo, do Deus da Vida Plena, sempre em estado de Páscoa permanente!

Amém! Axé! Aweré! Aleluia!


Fortaleza, 25 de outubro de 2010
Zé Vicente

Nenhum comentário: