quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Bispos são ameaçados de morte na Amazônia


Eles evitam tomar ônibus, fazem com que seus fiéis amigos saibam os seus horários e raramente saem quando está escuro.

Para três bispos católicos estrangeiros sob ameaças de morte no estado do Pará, no norte do Brasil, falar contra os problemas sociais que afetam a área geralmente sem lei na foz do Rio Amazonas agora tem seu preço.

A reportagem é de Stuart Grudgings, publicada pela agência Reuters e pelo jornal New York Times, 10-02-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Mesmo assim, eles se envolvem ruidosamente em questões de direito aqui, parte de uma tradição de padres católicos que vieram para a América Latina com as suas idéias formadas pela Teologia da Libertação da década de 70, que enfatiza a justiça para com os pobres e oprimidos.

É uma tradição que está morrendo, já que os missionários que vieram para cá nos anos 60, 70 e 80 estão ficando velhos e a vinda de padres da Europa e dos EUA vai minguando, visto que menos pessoas entram para a Igreja.

“Quando eu vim para cá pela primeira vez, havia muito mais padres estrangeiros. Agora, passam anos sem ninguém chegar”, diz o bispo Flavio Giovenale, um alto italiano com um sorriso cativante, que começou a sua primeira missão no Brasil há 34 anos.

Durante os últimos 11 anos, ele é bispo de Abaetetuba, uma cidade extremamente pobre às margens do Amazonas, a cerca de 120 Km a oeste da capital Belém. Ele enfrentou ameaças de morte frequentes por manifestar-se contra os problemas sociais e a criminalidade que cresceu constantemente, enquanto a área se tornou um ponto de trânsito para a cocaína, despachada por barco pelo maior rio do mundo até a Colômbia.

Aos 54 anos, ele é um dos mais jovens entre os 11 bispos nascidos no exterior, que geralmente se encontram nas linhas de fronteira das batalhas por direitos em razão dos altos níveis de violência, disputas por terras e tráfico de drogas, combinados com uma ampla ausência do governo. Os poderosos, incluindo políticos e policiais corruptos, são muitas vezes aqueles que têm mais a perder com as suas denúncias.

O Pará, o segundo maior estado da maior nação católica do mundo, tem um total de 13 bispos para uma população de cerca de sete milhões de pessoas.

Fim de uma era

Historicamente, a América Latina esteve entre as regiões mais perigosas para os missionários católicos. Cinco padres católicos foram mortos no continente em 2008, dentre os 20 mortos em todo o mundo, de acordo com a Congregação para a Evangelização dos Povos.

Os riscos que o clero enfrenta no Brasil ficaram evidentes em fevereiro de 2005, quando a irmã norte-americana de 73 anos, Dorothy Stang, foi morta a tiros segurando a sua Bíblia na remota cidade de Anapu, no Pará, onde ela defendia os direitos dos agricultores contra os poderosos donos de terras.

A Igreja e os oficiais de direitos humanos dizem que não há falta de padres brasileiros para assumir o lugar dos bispos nascidos no exterior mais velhos. Mas, com menos perfis e menos membros familiares morando no país, eles são muitas vezes mais vulneráveis às ameaças.

“Essa era acabou”, disse João Gierse, um padre de 48 anos que disse que nenhum companheiro alemão da ordem franciscana o acompanhou no Brasil desde que ele foi enviado em 1990. “A própria Europa não tem padres suficientes”.

Em 2007, havia 2.803 padres nascidos no exterior de um total de 18.685 padres no Brasil, afirmou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em uma nota. A CNBB não foi capaz de dar um número comparativo dos anos anteriores. Na Europa, o número de padres católicos caiu 20% entre 1978 e 2004, afirma o Vaticano.

Muitos dos missionários são mobilizadores comunitários que usam os seus púlpitos para ressaltar os abusos que, de outra forma, não seriam investigados. Felício Pontes, procurador da República, lembra que Ir. Dorothy Stang visitava-o regularmente em Belém para denunciar os abusos em Anapu.

“Eles são uma ponte entre as pessoas e nós”, disse.

Na Ilha do Marajó, na foz do Amazonas, o bispo Luiz Azcona atua em uma área que tem o tamanho da metade de Portugal, geralmente viajando em barco por dois dias para alcançar distantes ilhas infestadas de mosquitos.

As ameaças de morte contra ele começaram em 2007, depois que ele começou a se pronunciar contra os grupos de prostituição infantil que, afirma, crescem em uma área largamente não policiada.

“Todos os três bispos sob ameaças de morte no Pará têm uma coisa em comum – as denúncias que fizemos contra a exploração das crianças”, disse o espanhol Azcona, 68 anos.

O terceiro bispo sob ameaças no Pará, o austríaco de 69 anos Erwin Kräutler, tem guarda-costas armadas ao seu lado há dois anos na sua diocese de Altamira, de onde ele denunciou o desmatamento ilegal e outros negócios ilícitos, assim como os trâmites do assassinato da Ir. Dorothy Stang.

Negligência do Estado

Todos os três bispos estão, até certo ponto, tratando das consequências do desenvolvimento econômico insustentável. Em Abaetetuba, a construção de uma grande planta de alumínio na década de 80 trouxe milhares de trabalhadores migrantes para a área, mas não havia mais demanda de mão-de-obra desqualificada quando ela estava pronta e funcionando. Com uma falta de empregos, o tráfico de drogas se tornou central para a economia local.

“Quando esse tipo de exploração da Amazônia acabar, os problemas da prostituição infantil e outros crimes serão deixados para trás”, disse Pontes.

O caso que resultou em uma renovada rodada de ameaças de morte contra Giovenale foi uma combinação de pobreza, brutalidade e impunidade que amedronta os remotos municípios do Brasil.

Em outubro de 2008, a polícia de Abaetetuba colocou uma garota de 15 anos, presa por roubo, em uma cela com mais de 20 presos, todos homens, que estupraram e violentaram-na durante 21 dias, dizem os procuradores. Giovenale diz que a polícia torturou a menina porque ela tentou roubar a casa de um policial. Mais de um ano depois, diversos policiais foram transferidos a outras partes do Estado, mas nenhum foi investigado ou condenado.

“Nenhum desses órgãos estatais, esses que têm poder, chegou até nós como a Igreja. É por isso que respeitamos o Dom Flavio”, disse Diva Negrão Andrade, uma líder do grupo local de defesa dos direitos da criança que ajudou no resgate da menina e que também recebeu ameaças de morte.

Tanto Azcona quanto Giovenale, que, como muitos bispos aqui, preferem as camisetas aos hábitos litúrgicos, recusaram ofertas de proteção policial, afirmando que não desejam pôr outras pessoas em perigo.

“Para ser franco, eu tenho medo em grande parte do tempo, porque eu gosto de viver”, disse Giovenale. “Eu não sei o que vou fazer se as ameaças voltarem, mas espero ser capaz de continuar a ajudar, porque muitas vezes as pessoas não têm nenhum outro apoio”.

Fonte: http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=19981

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